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       As influências encantadoras dos novos padrões de amor


          Adélia era uma jovem maravilhosa e esperta, nascida em um século marcado pelas novidades tecnológicas velozes, pelos novos padrões de comportamento sexual, ético e social, em que vale tudo para adquirir fama, seja ela boa ou ruim. Ela, como todos os nascidos a partir do ano 2000, dominava todas as facilidades do chamado mundo novo, a arte de utilizar o tempo fazendo muitas coisas paralelamente, do jeito que a grande maioria dos jovens fazem.
          No entanto, Adélia teve uma criação em estilo século XX em muitas coisas, pois a sua mãe sempre foi uma sonhadora e romântica, e desejava que a filha estudasse piano, fosse para a escola toda vestidinha de cor-de-rosa, virasse Miss Brasil e bailarina, frequentasse a igreja e distribuísse sopa aos mendigos. Um real exemplo de virgem que soubesse cozinhar e servir, totalmente preparada para encontrar o seu príncipe encantado.
          E esse príncipe surgiu. O encontrou na igreja e soube que trabalhava na construção civil. Engenheiro? Não. Pedreiro? Não. Assistente de pedreiro. Um rapaz com mãos de lixa e couro curtido pelo sol e pelo vento das altas lajes dos prédios que ajudava a construir, mas um real representante dos jovens da atualidade, sem os ranços machistas e homofóbicos inerentes aos profissionais tidos como rústicos de décadas passadas. Mais ou menos.
          Esclarecido, ele não se deixava levar por nenhum fanatismo religioso, e estava sempre em contato direto com Deus na igreja por suas próprias maneiras, o que o transformava em um ser pacífico, embora a aparência de lutador de boxe sugerisse o contrário.


          Logo se conheceram e demonstraram afeição um com o outro; após o culto iam com outros jovens ao McDonald’s comer aqueles lanches com gosto de plástico e conversar animadamente. Bráulio, o rapaz, conhecido na obra por Braulião era moço sério e logo pediu Adélia em namoro; ela aceitou encantada e no domingo seguinte ele já foi até a casa dela pedir oficialmente aos pais da menina, sendo completamente aceito pelos pais e demais parentes.
          O namoro seguiu de vento em popa a partir daí. Não brigavam jamais, estavam sempre juntos e sorridentes; substituíram o passeio ao McDonald’s após o culto dos domingos pela ida ao motel, e lá as Delícias não tinham sabor de plástico. Logo ficaram noivos e marcaram casamento. Adélia sonhava em ter um filho e Bráulio concordava plenamente, então costumavam conversar sobre isso sentados no sofá da sala dos pais dela, nos intervalos da novela.
          - Prefere homem ou mulher, meu amor? – Adélia perguntava com sorriso sonhador, enquanto brincava com o enorme laço cor de rosa que usava para prender os cabelos.
          - Homem. – Bráulio era objetivo, de poucas palavras, embora não fosse grosseiro.
          - Homem? – ela sorria – Vai aprender a tocar piano e fazer marcha atlética, então! Vou comprar uma bela camisa cor de rosa para que ele vá cantar no coro da igreja.
          - Vai pegar todas as irmãzinhas da igreja e aprender a disputar queda de braço. – retrucava Bráulio em tom neutro, sem criticar a noiva. – Vou ensina-lo a dirigir caminhão e mastigar pimenta malagueta.
          - E se for menina, Bráulio, não vai querer uma filhinha?!
          - Claro, Delinha, vai ser linda como você.
          - Será bailarina, então! Vou ensiná-la a fazer crochê e cozinhar, e me fazer companhia assistindo aos filmes da sessão da tarde. – como o noivo permaneceu quieto, ela continuou – E você, não tem nenhum plano para ela?
          - Sim. – ele respondeu tranquilo – Espero que ela seja lésbica.
          - O quê?! Como pode dizer uma coisa dessas, Bráulio!


          Ele teve que explicar sua preferência à noiva, pacientemente, porque ela ficara abalada com a situação. Era simples demais, de acordo com Braulião: se a menina escolhesse ser lésbica, gostar de mulheres, a vida deles seria muito mais facilitada! Não precisariam se preocupar com ela quando saísse à noite, porque não correria risco de gravidez indesejada; ajudaria no controle de natalidade, em tempos que pessoas morriam de fome e crianças perambulavam pelo lixo para sobreviver sem ajuda de ninguém, muito menos dos políticos falastrões.
          Uma filha lésbica seria um sonho porque poderia usar vestidinho cor de rosa enquanto fosse pequena, como a mãe queria, e na adolescência mastigar pimenta e lutar queda de braço com o pai! Enfim adulta seria osso duro de roer e não deixaria ninguém tratá-la mal. Sim, ele sabia da discriminação, mas garantia que quando a filha estivesse adulta isso seria passado; as pessoas estavam se conscientizando, não estavam? As novelas focavam nisso o tempo todo, artistas se declaravam lésbicas, mesmo que fosse com intenção de voltar às manchetes... Já era até moda!
          Mesmo assim Adélia não parecia convencida. E se o menino resolvesse ser gay? O noivo ficava branco, engolia em seco e não dizia nada. Aí era a vez de Adélia argumentar. Era tão natural quanto a escolha da menina, oras! Ele poderia usar sunga de crochê, brincos de margarida e dançar balé sem ser incomodado. A discriminação já teria sido dizimada, como ele dissera antes, quando o filho estivesse rapaz! Sendo dançarino ele poderia virar artista e enriquecer, porque homossexual pobre sofre ainda mais. Bráulio ouvia, mas não respondia.
          Adélia sonhava com o filho de paletó azul bebê dançando como Gene Kelly ao som de Edson Cordeiro! Ele poderia organizar paradas gay na Avenida Paulista e em todas as grandes avenidas do Brasil e do mundo! Notando a expressão pensativa do noivo, ela se esforçou ainda mais nos argumentos: ele poderia ser ginasta olímpico e ficar musculoso e forte para participar de quedas de braço com o pai e os amigos. Poderia deixar crescer o bigode como Fred Mercury, sem problemas. Mas desconfiava de que seria um fã incondicional de Justin Bieber.


          Ela insistiu no assunto até que ele não aguentou e explodiu, respondendo:
          - Veado, não! Me desculpe, Adélia, mas veado não! – ficou em pé e começou a andar pela sala, inquieto, passando as mãos pelos cabelos – Meu filho, se nascer homem tem que permanecer homem. Sou liberal, mas não sou liberal a esse ponto; se for para correr esse risco prefiro que seja menina. – Adélia, sentada no sofá fitava o noivo transtornado com surpresa, nunca o vira assim antes. – Não entende, querida? Não adiantaria ser musculoso e usar bigode, muito menos disputar queda de braço no bar com meus amigos, porque depois todos olhariam para mim com pena e diriam à boca pequena “um filho tão forte e tão boiola!”. Não vou passar por isso. Estarei na sala de parto, e se ele vier ao mundo gritando fino como as Scissor Sisters, juro que o esgano antes de cortarem o cordão umbilical!
          Fez-se um silêncio desconfortável e nunca mais falaram sobre o assunto. Bráulio continuou como antes, gentil e aparentemente calmo e liberal, e Adélia sonhadora e antiquada em muitas coisas. Casaram-se com pompa e a felicidade não os abandonou em nenhum momento. Um ano depois, ela engravidou.
          As famílias de ambos e os amigos ficaram exultantes! Eles ficaram muito felizes, mas, de vez em quando Bráulio flagrava a esposa observando-o de esguelha, pensativa; e ela o pegava sentado na varanda, o olhar distante, apertando com força extrema uma faca na mão sem cortar a laranja que descansava na outra. Nunca mais falaram sobre aquele dia em que debateram sobre sexualidade dos filhos. Nenhum dos dois quis saber o sexo do bebê. Recusaram-se fortemente e proibiram a qualquer um fazer previsões pelo formato da barriga ou o que quer que fosse.
          O enxoval foi todo comprado em verde claro, nada em Pink, nada em azul; tudo foi feito em uma comunhão silenciosa, sem discussões ou perguntas. À medida que se aproximava a data de Adélia dar à luz o bebê, ficava mais tensa e nervosa, embora tentasse esconder do marido esse fato. Bráulio ficara mais calado e sombrio, embora preocupado com a esposa e sempre pronto a apoia-la em todos os momentos. Passara a andar armado inexplicavelmente, já que era um homem de paz. Adélia não ousara pergunta a razão e ele não dissera nada sobre isso. Passava horas limpando e polindo o revólver...


          Finalmente o grande dia! Ele carregou todo o enxoval e a levou à maternidade; entrou com ela na sala de parto, e quando viu um volume sob o paletó ela gelou, achando ser uma metralhadora, até que ele puxou a câmera de vídeo para filmar o parto. Tudo correu muito bem, a não ser a câmera que tremia demais nas mãos de um pálido Bráulio. Quando anunciaram a chegada do bebê e ele se deparou com o sangue, tombou desmaiado, sendo retirado para tomar água e um pouco de ar fresco. Não viu a criança, que fora levada para limpar e ficou esperando no quarto com a esposa, felizes, exaustos e apreensivos.
          Um sorria timidamente para o outro e de vez em quando fitavam a porta do quarto, esperando a criança. O médico entrou antes, meio constrangido, o que os preocupou imediatamente.
          - Tudo bem com o nosso filho, doutor?! – perguntou Adélia assustada.
          - É menino ou menina, doutor?! – indagou Bráulio, pálido.
          O médico pigarreou e garantiu que tudo correra bem, o bebê nascera saudável e forte, em momentos viria para os braços da mãe. No entanto... Parou, inseguro, mas finalmente deu a resposta, calmo como bom profissional que era:
          - Temo informar-lhes que ocorreu um fato raro com o bebê de vocês, embora não seja o primeiro. Ele, o bebê, nasceu com ambos os sexos. Trata-se, portanto, de um hermafrodita. – o médico disse e se preparou para a reação do casal.
          Adélia e Bráulio se entreolharam, suspiraram de alívio ao mesmo tempo e sorriram com enorme felicidade! 


Marcelo Gomes Melo     


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