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Um século cruel e mordaz


 

Toda vez que eu morro

E acordo assustado

Olhando para todos os lados

É como se estivesse com o ticket da vida atrasado

 

Toda vez que eu morro

E acordo assombrado

Não há ninguém ao meu lado

Não há companhia no esquecimento

Dobrem os sinos dos desesperados!

 

O silêncio por todos os lados

Conta a história ainda que esmaecida

Pela sombra dos dias contados

Não há paz nem gritos melodiosos

Onde morro e quando eu acordo

 

Como eu morro e por que eu acordo

São os dias de um século cruel e mordaz


 

 

                              Marcelo Gomes Melo

O deleite de acreditar


 

Foi o tempo que passou

Ou foi a incerteza da vida?

Diga o determinou

O não cicatrizar da ferida

Os ossos que doem, a alma que incita

O sonho perpétuo

Não garante descanso após a lida

Nesse instante preciso dizer

O amor é imortal, mas quem ama não

Essa sorte para aguentar não há

É primordial a poesia

Não permita que a sua alma toque a minha

Não se dê o direito de ouvir meus sussurros

Que não me darei o deleite de acreditar


 

                 Marcelo Gomes Melo

O crime do creme

                                       
 

                                           O crime do creme 

  
 
 

Uma vez por mês, no pub daquela cidadezinha, frequentada por todos que se conheciam como frequentadores assíduos. Uma vez por mês ele entrava pela porta de vidro, descia a escadaria de madeira e cumprimentava a todos os presentes, discretamente se dirigia à mesa do canto, para duas pessoas, de onde era possível visualizar a rua, já que o bar se encontrava abaixo da rua, como um porão com vista para as pessoas dos pés à cabeça, nessa ordem. Jazz rolava baixinho, incidentalmente, enquanto os frequentadores trocavam palavras entre si, sorriam de casos rotineiros. Ele era incluído nas conversas, então sabiam que era biólogo, uma espécie de cuidador de plantas, e morava em uma fazenda próxima, sozinho, há mais ou menos um ano. Era muito discreto. Sorria. Informava muito pouco.

Creme. Era a sua preferência. Um café com bastante creme, que misturava como um ritual, e sorvia quase que religiosamente, em silêncio, olhando para a própria mesa. Levava em torno de quarenta minutos até que terminasse a bebida. Respirava fundo, dirigia-se ao caixa e pagava sempre em dinheiro, com um sorriso gentil e uma palavra de agradecimento. Saía por volta das 23h00, despedindo-se dos presentes, desaparecendo como chegara, silenciosamente. Agora só retornaria dali a um mês, expressamente.

O creme sempre era reposto pelo gerente, garantindo que nunca faltasse para o cliente tranquilo e discreto.

Mais um ano se passou e ele frequentou o pub por doze vezes. Bebera doze cafés expressos com muito creme.

Eis que no decorrer do terceiro ano mudou a gerência do pub, e as coisas mudaram. Os preços subiram, inclusive do creme, e a quantidade diminuiu. Todos perceberam a mudança de tratamento. O jazz aumentara de volume e os clientes de sempre foram diminuindo.

O solitário ainda frequentava uma vez por mês até a metade do ano, depois começou a faltar, o que foi notado pelos poucos que ainda apareciam normalmente.

O creme no café era muito importante. O aumento de preço não era acompanhado pelo aumento do salário. A dificuldade para o consumo aumentava sem piedade, causava problemas para quem levava a sério os rituais, para quem se alimentava regularmente, idem. O governo estava matando os cidadãos de fome, testando a sua religiosidade e fidelidade.

O solitário voltou ao pub apenas no dia de natal. Estava macambúzio, não havia nenhum frequentador conhecido, nem jazz tocando. Agora era uma música eletrônica estridente e as pessoas se obrigavam a falar alto, não havia conteúdo no que diziam, falavam para ouvir a própria voz.

Ao pedir o café, a surpresa: não acompanhava o creme. Ele questionou em voz quase inaudível, a resposta foi desrespeitosa e evasiva. Bebeu um gole do café. Não conseguiu terminar. Abriu a pequena janela que dava para a rua acima. Ninguém pareceu notar. Pagou. Olhou tudo em torno como se fosse uma despedida. Saiu, não havia de quem se despedir, não havia mais creme.

No dia seguinte as manchetes do jornal informavam desesperadamente: “Um pub lendário havia sido destruído por volta de 23h00, no centro da cidade. Granadas foram atiradas através das janelas, em pleno natal. Ninguém percebeu por conta do som alto e das conversas fúteis. Nada sobrou. Tudo foi pelos ares. Não havia pistas de quem causara tamanho caos e muito menos o motivo.

O solitário nunca mais foi visto. O ritual do café com creme permanecerá um mistério para sempre.

 

              Marcelo Gomes Melo

05/06/2025



 

 

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